Capitalizando o Movimento Feminista - Xs Escravxs da Moda

Feminismo também faz parte da moda, e como faz! Mês passado eu vi isso em todos os lugares quando fui comprar calcinhas com o Porquinho e isso me fez pensar sobre a capitalização das lutas das minorias, especialmente com relação a indústria têxtil.


Tô igual a Rory
Como toda moça de classe média baixa/média, eu não tenho condições de comprar calcinhas em lojas como a HOPE ou Victoria's Secret (nem quero). Com um aperto dá pra comprar na Lupo... por isso, fomos nas lojas de departamento mais famosas da cidade: Marisa, C&A, Renner e Riachuelo.



A primeira loja que entramos foi a Marisa, no centro da cidade. Por toda loja eu só vejo roupas da mulher maravilha, princesas e Mickey com a seguinte promoção: Leve duas camisas de personagem e ganhe mais uma! Por todo lado eu via camisas e calças da mulher maravilha, com palavras de empoderamento em inglês. Uma busca no site da Marisa, me deu 3 páginas de resultado só de roupas com o tema  mulher maravilha.

Pijama na Marisa

Tentei ignorar o que eu estava vendo, subi para o segundo andar para ver se achava a calcinha que eu queria. Não achei, e saí da loja comentando sobre esse feminismo branco e conveniente. E até então eu estava mais focada na falta de representatividade do que na exploração em si. Esse conceito de bastar usar a camisola, blusa, calça, sapato da mulher maravilha e você automaticamente está empoderada não me desce. No meu ponto de vista, isso é só o capitalismo, explorando um movimento tão importante, banalizando-o no processso. Feminismo não se compra. Enfim, próxima loja, C&A.


Site da C&A
A C&A me ofendeu menos por 2 motivos:
1- Tinha modelos masculinos;
2- Os modelos femininos não apelavam para o tal empoderamento.
A C&A de fato me levou a crer que estavam vendendo a camisa da Mulher Maravilha, como vendem a do Batman, Lanterna Verde e Flash. Foi o clássico, filme + merch. Também não achei a calcinha que eu queria na C&A

Próxima loja no Shopping Cidade: Lojas Renner. Devo confessar que saí da C&A com esperanças de que fosse um caso apenas da Marisa e que na Renner eu não tivesse que ver novamente a luta feminista sendo engolida pelo capitalismo. Ah sim, e achar calcinhas. Para a minha tristeza...

I am a strong woman like wonder woman

E nada de calcinhas. Veja bem, eu sou bem seletiva com calcinhas. Eu gosto de um tipo específico, chamada boxer ou boy shorts. Até agora só tinha encontrado na Marisa, mas nem isso tem mais.

 Última loja baratinha bem como última esperança: Riachuelo. Pra mim a Riachuelo foi a mais ofensiva. Não basta ter pijama e blusa. Roupas de ginástica e almofadas estavam na lista. Todos com a mesma ideia do empoderamento capitalista. E tudo em inglês, claro. E nada de calcinhas.


Mas aí me perguntam: Por que isso é uma coisa negativa?

Para mim, quando você tem um discurso feminista, é muito importante não cair em incoerências (atitude vs discurso). Sempre me lembro que o movimento feminista é também um movimento anarquista e por consequência anti-capital. Sendo assim, como eu mantenho a coerência do meu discurso, como falar sobre se livrar de um opressor e libertação feminina, quando ao mesmo tempo, eu estou financiando um sistema opressor (capitalismo) que nesse contexto e em vários outros, oprime outras mulheres?

O que o capitalismo tem a ver com isso tudo? Ora, vamos usar um exemplo famoso para explicar. A Zara, em 2011 foi investigada por utilização de trabalho escravo, e em 2014, admitiu usar mão de obra escrava para confeccionar suas roupas. Em 2015 ela foi autuada por isso e fez um acordo com o Ministério do Trabalho sendo que, em 2017, ela descumpriu o acordo e teve que pagar uma multa de 5 milhões (apenas). Quem são esses escravos da moda? De acordo com os dados da Human Rights Watch, 90% do trabalho escravo utilizado na indústria têxtil asiática (Hong Kong, Coréia do Sul, Taiwan, China, Cingapura e Malásia) são Mulheres.

Olhe a etiqueta da sua blusa empoderada. Onde ela foi feita? Bangladesh? Vietnã? Camboja? Pois saiba então que, esses são alguns dos atuais países onde se têm notícia de tráfico de pessoas pela indústria têxtil, e que exportam roupas feitas com mão de obra escrava de mulheres e crianças (Referências no final do post).


Foto do Blog Rotina da Moda

Frente a isso, como falar de empoderamento, força, justiça, sabedoria, girl power!, quando você está financiando um mercado opressivo, que tira a força das mulheres? Onde está a sororidade? Onde está o feminisno nisso tudo?

Feminismo não se compra, se pratica. É uma luta diária que nunca termina, e comprar uma blusa onde você fala que é tão forte quanto a super heroína da DC, não é feminismo, é financiar a opressão que outras mulheres sofrem. Isso porque não quero nem entrar no mérito do machismo do filme.

Após a primavera feminista comecei a ver um boom de produtos utilizando a temática feminista para gerar capital e mais e mais mulheres usando esses produtos (em sua maioria roupas) para mostrar o quão forte e feministas elas são. Muito me admira que as feministas de fato não parem para debater o assunto pois o fenômeno anda crescendo, ainda mais agora com o filme da mulher maravilha. Esse feminismo vazio, neoliberal e conveniente que vêm sendo praticado deve ser transformado em luta real, afinal, nunca vi mudanças apenas com individualismo e palavras bonitas, mas sim com atitude, organização e esforço real da comunidade.

Ah sim, acabei comprando calcinhas na lupo. Melhor qualidade e livre de mão de obra escrava.

Testada e Aprovada

Referências:

Reportér Brasil
Carta Capital
Ig Economia
Exame
Revista Galileu
The Telegraph UK
BBC UK
South China Morning Post
Consumidor Cidadão
Delirium Nerd
Think Olga
Inpacto
Human Rights Watch

Imagens:
Sites das lojas:
Marisa
C&A
Renner
Riachuelo
Lupo

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